por Josemir Medeiros
O
poeta mato-grossense Manoel de Barros revela em suas memórias inventadas que, aos
13 anos de idade, contou aos seus pais que não queria ser doutor, queria ser
fraseador. Seu irmão, conta-nos o poeta, num rompante de sensatez fez a
pergunta que não queria calar: “Mas esse tal de fraseador bota mantimento em
casa?”. Na ausência de uma resposta convincente, decretou: “Mas se fraseador
não bota mantimento em casa, nós temos que botar uma enxada na mão desse menino
para ele deixar de variar”.
Se
a enxada foi ou não para as mãos do menino que queria ser fraseador, melhor
deixar que o leitor procure a resposta a essa pergunta visitando a obra desse
menino que “gostava de carregar água na peneira”. Mas a pergunta formulada pelo
irmão do poeta alimenta a coleção dos dilemas de tantos fraseadores amadores,
profissionais, novos e velhos, famosos ou anônimos.
Ao receber o convite para encadear frases nesse blog da
minha querida amiga Andréia Porto, eu, atrevidamente julgando-me fraseador,
evidentemente bem longe do talento do inspirador poeta pantaneiro, também me vi
diante de um dilema básico de fraseador, escrever sobre o que? E, ao mesmo
tempo, vi aflorarem das minhas memórias tantos ouros dilemas que constituem e
forjaram esse humilde fraseador.
“Lutar com palavras é luta mais vã, no entanto luto, mal
rompe a manhã”, já dizia o itabirano fraseador Drummond. Luta vã como a absurda
mania daquele menino que cismava de carregar água na peneira. Luta que, no
entanto, se renova a cada manhã e que, apesar de tantas novas tecnologias,
ainda resiste incorporando-se a quantas plataformas, multi, trans, poli mídias
existam ou venham a ser criadas.
Cecília
Meirelles, outra fraseadora mergulhada no lirismo, poetiza: “Ai palavras, ai
palavras, que estranha potência a vossa” e o fraseador bem sabe que é preciso
compreender a potência dessas palavras, dispor-se à luta diária, ainda que seja
vã e entregar-se à tarefa de carregar água na peneira com tudo que esse ofício
traz de belo e insano.
É preciso seguir os conselhos de Pessoa, o fraseador português,
para entender que assim como viver não é preciso, no sentido da exatidão,
frasear também não pode ser e que o poeta, ou qualquer outro fraseador,
necessita tornar-se um fingidor capaz do prodígio de fingir tão completamente,
a ponto de fingir que é dor, a dor que deveras sinta, ou que possa atrever-se
como Manoel de Barros e, linda e liricamente, entenda que é preciso apenas “saber
errar bem o seu idioma”.
E é nessa incompreensível, imprecisa, insana e interminável
labuta que reside o maior, se não o definitivo dilema do fraseador. Como se
entregar a esse trabalho que parece tão inútil enxergando nele toda a utilidade
do mundo? Como se dedicar a tarefa tão inglória, reconhecendo nela a maior das
glórias possíveis? Como passar incólume e leve por aqueles que só conseguem ver
a insanidade de um ofício que lhes pareça tão sem sentido.
Como dizer não à enxada, escolher a peneira e com ela
carregar água? Ou ainda, como conciliar a enxada do feijão e a peneira do
sonho? Como atrever-se a frasear num mundo em que é preciso, antes de tudo, pôr
mantimentos em casa?
Talvez não existam respostas para essas perguntas e muito
provavelmente nem mesmo os dilemas de fraseador sejam reais ou perceptíveis. Quem
sabe tudo isso não é apenas mais um pretexto para frasear ou quem sabe não é
uma provocação para que você aí que me lê se anime a frasear de volta.
Então, que tal? A água está aí, basta pegar a peneira.
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